Quando a Prefeitura de Aracaju ingressou no Tribunal de Justiça pedindo a ilegalidade da greve dos professores, antes que qualquer decisão, dez entre dez jornalistas que cobrem o assunto já tinham o texto da notícia pronto e preparado para o dia seguinte: Justiça decreta a ilegalidade da greve do magistério. Neste caso, não foi no dia seguinte, foram horas depois. Ou não é assim? Claro que isso é uma alegoria. Serve para anunciar que vivemos em plena era do Estado penal, onde greve de qualquer trabalhador é crime, uma ação ilegal, até mesmo antes de ocorrer. É anunciar greve e não demora a chegar à espada padrão do Estado com toda sua força punitiva.
Não é demais afirmar que esse Estado penal é a base de um sistema capitalista que guarda na alma a injustiça sem limite, o lucro desregrado, a violência naturalizada. Não é demais lembrar que o Estado penal funciona com eficiência e ferocidade contra uma classe social subalterna para proteger exatamente outra, a de acima. Por sua condição punitivo-pedagógica, esse Estado Penal mantém na invisibilidade uma classe perigosa para justamente salvaguardar a vida plena da uma outra, formada por homens de bens. O Estado penal funciona muito bem para os pobres, trabalhadores, excluídos. Pune, segrega, criminaliza, elimina.
Este ano, por exemplo, as únicas três greves oficializadas tiveram o mesmo óbvio fim: a ilegalidade. As paralisações dos professores de Aracaju, da rede estadual e a dos funcionários do Detran/SE foram interrompidas por força da espada da justiça. O Estado penal, que antes apenas se restringia em buscar os argumentos da órbita jurídica para enquadrar os trabalhadores que ousavam pedir dignidade em seus vencimentos, agora vai além e entra no mérito das reivindicações financeiras em defesa do mesmo Estado capital. Aos que ainda insistem a enfrentar esse Estado penal tem a espada afiada da multa para eliminar qualquer organização e, se for o caso, a espada da força policial.
A greve, instrumento legítimo dos trabalhadores numa sociedade de grupos de pressão para obrigar gestores insensíveis a negociar em favor da própria sociedade passou a ser crime. No caso do magistério, por exemplo, os alunos ficam anos jogados em escolas sem condições mínimas de funcionamento, sem professor, água, biblioteca, laboratórios, largados pelo Estado à própria sorte, mas quando os professores resolvem parar para exigir mais atenção, salário e condições de trabalho, logo os alunos, até então invisíveis aos olhos do Estado, surgem nos discursos oficiais e no aparato da mídia para assegurar a legitimidade do Estado penal. Assim ocorre com todos setores que trabalham com aqueles que estão à margem da sociedade. Na saúde, pessoas pobres morrem esquecidas a toda hora por falta do atendimento, remédios e equipamentos básicos, mas quando os médicos e enfermeiros ameaçam parar por justas remunerações e condições de trabalho logo os pacientes deixam essa condição e ganham espaço apenas nos discursos para justificar a ação penal do Estado.
O Estado penal, por sua condição punitivo-pedagógica, é autorizativo para a naturalização da violência. Por exemplo, quando quatro adolescentes foram executados no município de Itabaiana, nada mais natural, diziam alguns, porque tinham envolvimento em drogas e eram pobres. Fica por isso mesmo. Quando alguns jovens foram envenenados no município de Estância, dois morreram, nada mais natural, diziam outros, porque eles tinham passagem pela polícia e eram pobres. Crimes feitos para sumir e ficar entre eles, os pobres. Se aparecer algum preso para assumir, o Estado penal será implacável. Esse mesmo Estado que é brando, parceiro, protetor e promotor de bandidos do colarinho branco, que transformam os recursos do público em dinheiro particular, justamente impondo à miséria e exclusão de muitos.
Por Cristian Góes
SINTESE
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