Denúncias fazem parte de dossiê produzido por sindicato.
Educadores, doentes, são afastados e vivem a base de remédios.
Aluizio Freire Do G1 RJ
A professora E., de licença médica, foi ameaçada
de morte por aluno (Foto: Aluizio Freire)
O grupo sacode as grades de ferro, lançam bombas (tipo cabeça-de-negro) nos corredores, que explodem e estremecem as paredes do prédio. Gritam, simulando uivos de animais, xingam e fazem ameaças a quem ousa entrar na sua frente. Parece rebelião em um presídio, mas são atos de alunos rebeldes, relatados por professores de ensino médio e fundamental em um detalhado dossiê sobre violência nas escolas do Rio.
O assunto voltou a ganhar destaque com a denúncia de uma professora, no dia 10 de junho, que acusou um aluno de 13 anos de quebrar seu dedo por tê-lo impedido de ouvir música durante a aula. Ela registrou queixa na delegacia por lesão corporal.
"A gente não pode mais fechar os olhos para isso. Existem muitos professores traumatizados, doentes, abandonando a profissão depois de receberem ameaças de morte."
Mas profissionais da área já preparavam um amplo seminário sobre a violência nas escolas. Entre os temas do evento, que vai reunir educadores de vários estados no dia 25 de agosto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), será discutido a Síndrome de Burnout, doença que tem afastado muitos profissionais do mercado de trabalho por estresse excessivo.
De acordo com estudos psiquiátricos, a Síndrome de Burnout caracteriza tensão emocional crônica provocada pelo trabalho estressante. Como o nome diz pouca coisa, só o quadro clínico do paciente pode revelar a gravidade e a evolução da doença.
"A gente não pode mais fechar os olhos para isso. Existem muitos professores traumatizados, doentes, abandonando a profissão depois de receberem ameaças de morte. Isso é muito grave. Não culpamos apenas os alunos, discriminados e vítimas de outras questões sociais. Mas a instituição, as secretarias de educação precisam oferecer um suporte psicológico para os alunos e uma estrutura de apoio para que os educadores não fiquem à mercê desse tipo de violência, que está sendo banalizado”, afirma a coordenadora do estudo, Edna Félix, que representa o Sindicato dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ).
De acordo com o Sepe, as escolas da Região Metropolitana do Rio concentram os casos mais graves de violência. Segundo levantamento realizado pela entidade, somente na capital existem mais de 200 unidades de ensino situadas em áreas consideradas de risco, o que indicaria o alto índice dos casos de agressividade dentro das salas de aula.
Uma das vítimas dessa violência é a professora de História Nádia de Souza, 54 anos, 23 de magistério. Ela está de licença médica desde o dia 30 de junho de 2009, acometida de transtornos emocionais, de acordo com laudo entregue por sua médica na terça-feira (5), após consulta no Serviço de Psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, confirmando a necessidade de afastamento profissional da paciente.
Nádia, com síndrome do pânico, não consegue
passar na porta de uma escola (Foto: Aluizio Freire)
Professora de História e Sociologia, pós-graduada em História da África, artista plástica e escritora, com dois livros publicados, Nádia lecionava na Escola Municipal Deodoro, na Zona Sul do Rio, até ser ameaçada por um aluno, no ano passado.
“Vou te quebrar”, disse um aluno ao ser informado que estava em recuperação. Sem conseguir mais ministrar suas aulas, entrou em licença médica.
Os primeiros sintomas de pânico surgiram durante uma viagem de metrô. À medida que o vagão ficava lotando aumentava seu desespero. Quando saiu estava em prantos, sufocada, com taquicardia. Precisou ser socorrida.
A paixão pelas crianças, o prazer de ensinar, se transformaram em aversão. “Dói muito a gente não poder fazer uma coisa para a qual se dedicou a vida inteira. É frustrante, é o fracasso”, revela Nádia.
Professora faz terapia há três anos
A professora não consegue nem mesmo passar na porta de uma escola. Sente calafrios. A estranha sensação de vazio, perseguição, surge em momentos inesperados. Durante uma conversa com amigos e familiares, na sala de casa, de repente foi acometida de um pânico inexplicável. Correu para o quarto e se escondeu embaixo da cama, gritando de medo.
“É um medo que não se sabe de quê. Sentimos um grande desamparo, como se o mundo e todos estivessem contra nós, prontos para nos agredir. É um sofrimento tão grande que sou obrigada a tomar antidepressivos e ansiolíticos diariamente. É como se tomasse remédio para dormir e para acordar", conta.
Outra professora que sofre da mesma doença é E.B., 53 anos, professora de Português do município há 13, formada em Letras e com pós-graduação em Literatura Brasileira pela Uerj. Ela faz terapia há três anos, passa por acompanhamento psiquiátrico e gasta cerca de R$ 200 por mês em remédios.
"Ele voou no meu pescoço e disse que eu ia acabar com a boca cheia de formiga."
E. já lecionou em escolas da Zona Oeste, próximas de favelas dominadas por traficantes, e também em bairros do subúrbio do Rio, onde enfrentou situações de violência, inclusive ameaças de morte.
"Em uma escola em Santa Cruz, certa vez, dois grupos de adolescentes, que representavam facções criminosas rivais, entraram em confronto e quase destruíram a escola inteira. Quebraram carteiras, arrombaram portas, jogaram bombas tipo morteiros pelos corredores que causaram uma explosão assustadora. Um horror. Aquele prédio, frio, com aquelas pilastras de concreto, os portões de ferro, parecia que estávamos no meio de uma rebelião em um presídio", compara.
Filho, também professor, já enfrenta problemas
De família de professores, apesar da experiência traumática E. não conseguiu impedir o filho mais velho, de 33 anos, de seguir a mesma carreira. Ele, que está terminando o doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), também já sente as dificuldades de trabalhar em escolas que viraram palco de delinquentes.
"Quando sai de casa, ele me diz: 'Mãe, lá vou eu de novo para mais um dia no inferno’." Há cerca de um mês, seu filho presenciou uma briga entre alunos. Um deles jogou um explosivo sobre o outro, atingindo o pé do aluno que foi levado sangrando para o hospital.
E., durante um período que deu aulas em um colégio de São Gonçalo, na Região Metropolitana, sofreu mais um trauma. Foi ameaçada de morte ao comunicar a um aluno que havia sido reprovado.
"Ele voou no meu pescoço e disse que eu ia acabar com a boca cheia de formiga. Naquele dia, ao chegar em casa entrei numa crise histérica. Aos gritos, comecei a quebrar tudo que encontrava pela frente. Destruí minha cozinha. Meus filhos levaram quase três horas para me acalmar. Quem dedicou a vida inteira para oferecer o melhor para seu semelhante, que é a educação, não merece isso", lamenta, sem esconder as lágrimas.
Cópias dos dossiês produzidos pelo Sepe foram encaminhadas, além das secretarias de educação estadual e municipal, para a Comissão de Direitos Humanos e de Educação e Cultura da Câmara dos Vereadores e para o Ministério Público estadual
Resposta da Secretaria de Educação
Em resposta ao G1, a assessoria da Secretaria Municipal de Educação enviou a seguinte nota:
"A Secretaria Municipal de Educação esclarece que em abril deste ano, foi instituído o Regimento Escolar Básico do Ensino Fundamental. O regimento, entre outras medidas de caráter pedagógico e disciplinar, estabelece normas de condutas para os alunos nas escolas da rede municipal.
A Secretaria Municipal de Educação informa que o regimento instrumentaliza os diretores e professores e, ainda, valoriza o trabalho deles. Além de nortear o comportamento dos alunos, o regimento escolar resgata a autoridade do professor e faz com que os alunos passem a respeitá-lo mais.
Esse documento é um instrumento de trabalho de diretores e professores, para que possam ensinar em um ambiente tranquilo. Todas as medidas adotadas têm como objetivo estabelecer uma cultura de paz e garantir às nossas crianças o direito de aprender e sonhar com um futuro.
O Regimento Escolar Básico do Ensino Fundamental determina aos estudantes que não será permitido qualquer comportamento de agressão física, verbal ou eletrônica a aluno, professor, funcionário da unidade ou demais representantes da comunidade escolar. Também não será permitido o uso de adereços que expressem insinuações sexuais nas dependências da escola, bem como o uso do celular e de quaisquer aparelhos eletrônicos portáteis nas salas de aula."
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