O EXAME DA OAB
Vladimir Souza Carvalho
Leio, em Eça de Queiroz: “Eu, por causa da maciça e indebastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual”, (do conto Civilização). Também em Machado de Assis: “Vinha cheirando ainda aos cueiros da academia, meio estudante e meio doutor, aliando em si, como em idade de transição, o estouvamento de um com a dignidade do outro” (A mão e a luva).
Pois bem. Quando me formei, já em época diferente da dos tempos de Eça e de Machado, também sai ignorante dos cueiros da Faculdade de Direito de Sergipe, situação que continuou e continua, independentemente da faculdade ser sergipana ou de centro maior do país, ou de estarmos a viver tempos modernos. Ninguém sai doutor. A bagagem portada é indicativa de caminhos que devem ser tomados quando o problema, na via prática, se forma. Com o diploma na mão e no exercício de uma profissão, dentro do círculo de atuação escolhido, se vai praticando e aprendendo, aprendendo e praticando, pelo resto da vida. Hoje, na véspera de trinta e sete anos de formado, estou ainda a aprender, com os mais velhos e com os mais novos, diariamente, em cada processo de que sou relator e em cada feito do qual participo, na turma e no pleno.
A Ordem dos Advogados do Brasil, contudo, encara o formado como douto. Não é nem como doutor. É como especialista, não em uma matéria, mas em todas, invariavelmente em todas, ao exigir a aprovação em prova objetiva elaborada para passar a paulada na grande maioria dos bacharéis. E o pior é que as pessoas, que comandam tal tarefa – quase dizia fuzilamento – não se submeteram a tal prova, e, com todo o respeito devido, se tivessem feito, ou se fossem fazer (não é desafio, é realidade), não seriam aprovadas. E ao assim afirmar, não estou ofendendo o cabedal de conhecimento de nenhum membro da diretoria da OAB, seja regional ou nacional, porque eu, apesar de ser membro de um tribunal, com trinta e dois anos de exercício na magistratura, também seria reprovado.
Tem mais: a prova não é nem elaborada pela OAB, mas por ente, geralmente uma fundação, por ela contratada. Ou seja, o exame da OAB é feito por terceiros, porque a OAB não redige a prova (e por que não é a OAB?). Se a prova se integra naquilo que a lei da OAB chama de exame da Ordem, é um terceiro, constituído de pessoas sem a experiência das lides forenses, que vai formular as perguntas, colorindo cada uma de casca de banana, para o candidato escorregar, explorando matérias sem nenhuma conexão prática, e, ainda mais satânico, exigindo do recém formado um cabedal de conhecimentos que só mais tarde, dedicando-se a uma advocacia generalizada e abrangente, poderia obter. Poderia. Ademais, a objetividade da prova, por se cuidar de teóricos, especialistas em formulação de quesitos apenas, sem a experiência prática da lide forense, se perde na falta de objetividade. Em miúdos, a prova, que deveria ser objetiva, objetiva não é.
Se o teste é da OAB, se o teste visa, pelo menos, no plano teórico, a obter os conhecimentos do formado que deseja se inscrever nos seus quadros e poder atuar na profissão, como advogado, deveria a OAB, levando em conta as nuances da profissão, a redigir a prova, a reclamar conhecimentos fundamentais e não extraordinários. Das últimas que vi, por força de feitos que passaram em minhas mãos, fiquei perplexo com o nível de perguntas. Pontes de Miranda e Nelson Hungria acertariam as questões constitucionais e penais, respectivamente. Mas, perderiam nas demais, porque os quesitos são formulados para não serem respondidas, e, ademais, não se conhece, na história forense, o profissional, por melhor que seja, dominar todas as matérias, absolutamente todas, simultaneamente.
O teste da OAB mostra a existência de duas realidades, que se chocam. A primeira, que os dirigentes da OAB viveram quando se formaram e foram a luta, na qual o recém formado sai ignorante dos cueiros da academia, e, vai aprendendo aos poucos. Quem escapar dessa linha é sábio, é gênio, e aí foge à rotina. A segunda, é a irreal, ou virtual, onde se pensa que o recém formando deve saber, a fundo, de tudo e de todas as matérias. Não sei como qualificar essa visão.
Dou um exemplo, vivido por mim. Apesar de ter sido juiz de direito por seis anos e juiz federal por vinte e três, atuando em duas comarcas e substituindo outras, e, depois, em três estados, estando, no momento, em um tribunal com jurisdição em seis estados, relatando processos criminais e participando de julgamento destes na turma e no pleno, eu nunca vi, na minha mesa, um processo criminal focalizando um delito de concussão. Nunca. Sou capaz de apostar que me aposento e não vou lidar com a concussão. No entanto, num destes testes, estava lá uma pergunta atinente às características do crime de concussão.
Se há algo de podre no reino da Dinamarca, há algo de estranho, de profundamente estranho, nas provas da OAB, algo que precisa ser revisto, porque, da mesma forma que os marinheiros se forjam no mar, como diria Machado de Assis, o advogado se forja é no foro, na atuação nos feitos, e não na resposta a perguntas de bolso, formuladas por quem nunca pisou no foro, nem nunca viu um processo ou participou de uma audiência.
Exame de Ordem: modelo a ser seguido
Wanderson de Oliveira (*)
Amiúde veiculam-se reportagens abordando o fim do Exame de Ordem da OAB, títulos tais como: "Exame da OAB não qualifica ninguém" e "Salvem os bacharéis" já foram vistos por aí.
Dizem que o exame é abuso praticado pela instituição. Fala-se que o exame é culpado pelos problemas de morosidade do judiciário, que é pernicioso, imoral, restritivo, famigerado e lucrativo.
Comenta-se que os dirigentes da OAB não saberiam responder as questões das provas, em razão do número de anuladas. Questiona-se se os dirigentes da OAB, ministros do STF, STJ, TSE e TST passariam no exame. Vão além, sustentando a inconstitucionalidade do exame.
Tem até aqueles que rogam aos deputados e senadores de Goiás e do país para que saiam em defesa dos bacharéis.
O advogado é indispensável à administração da justiça, está escrito na Constituição, então, é bom deixar claro aos leitores: o Exame de Ordem da OAB qualifica sim, atribui ao bacharel em direito a qualidade de advogado, portanto, dizer que o exame não qualifica é falácia.
O exame não tem a missão de qualificar o conhecimento do bacharel, mas sim, de medi-lo, saber se ele tem competência mínima para atuar como advogado. Para melhor ilustrar, destaco texto do Juiz Federal William Douglas Resinente dos Santos:
"(...) não se pode confundir a qualificação de bacharel em Direito, dada pela instituição de ensino, com a capacidade para advogar (...). A OAB presta um relevante serviço à classe, ao Judiciário e à sociedade ao fazer a verificação da capacidade do bacharel de exercer a advocacia. Quaisquer que sejam os problemas que se apontem no exame, nenhum deles é maior do que permitir que uma pessoa sem capacidade para o exercício do ofício saia às ruas portando uma carteira profissional."
Os problemas nos quais o Judiciário tem enfrentado não se relacionam, nem de longe, com o Exame de Ordem. Se os bacharéis em direito fossem automaticamente alçados a advogados, aí sim, teríamos uma lentidão no judiciário; certamente, muitas peças processuais inadequadas seriam propostas, gerando emendas, retrabalho e um "travamento" da "máquina" do Judiciário.
As provas da OAB são elaboradas, corrigidas e realizadas pelo Cespe/UnB. Sendo assim, os dirigentes da OAB não participam da correção da prova. Ademais, é perfeitamente natural a anulação de questões em certames similares, por exemplo, concurso público, desastroso seria se não as fossem.
Não tenho dúvida que as autoridades mencionadas, seriam no exame aprovadas, como dito, e vale repetir, a exigência é o mínimo que o advogado necessita saber para atender de forma adequada e com excelência a sociedade. Ademais, tais autoridades escolheram outras carreiras, que na maioria exige concurso público e que também necessita, tal como para o exame da OAB, de bastante dedicação e estudo para o exercício da profissão. Assim não fossem, não mereceriam ser Desembargadores e Ministros do Judiciário brasileiro ou dirigentes da OAB.
A constitucionalidade do Exame de Ordem é reconhecida pelos tribunais, dentre eles, o STJ (STJ, REsp 214.671/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01.08.2000, p. 197).
O que se deve pregar não é o fim do Exame de Ordem e sim a aplicação de exame similar em outras profissões. A OAB mais uma vez é contemporânea em ideias e dá o exemplo.
O sucesso para aprovação no exame segue algumas regras: escolha de uma faculdade que ofereça um corpo docente de excelente qualidade, uma boa biblioteca, uma boa matriz curricular e, principalmente, a dedicação do aluno. Sem esse último requisito, a aprovação torna-se difícil, mas não impossível. O que não se deve pensar é em estudar cinco anos em alguns meses, principalmente para aqueles relapsos ao tempo de acadêmico.
A OAB é uma das instituições mais fortes deste país e não deve ficar alheia - e não está - às tentativas de desmoralização da profissão. Não devem prosperar os projetos de lei que tentam extinguir o Exame de Ordem.
* Wanderson de Oliveira, Advogado em Goiânia-GO, integrante da Comissão da Advocacia Jovem de Goiás OAB-GO, Especialista em Direito Público. E-mail: wdeoliveira.adv@hotmail.com
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