Carlos Madeiro
Se para muitos moradores de Alagoas a tragédia da enchente teve início há pouco mais de uma semana, para famílias de União dos Palmares a “calamidade pública” já dura 22 anos. Cerca de 100 famílias que ficaram desabrigadas pela enchente do mesmo rio Mundaú em 1988 vivem até hoje em pavilhões de um presídio desativado na zona rural, a 8 km do centro da cidade.
A colônia prisional Santa Fé estava em reforma naquele ano, quando centenas de pessoas perderam suas casas da noite para o dia devido à cheia do rio. Sem ter onde abrigar tantas famílias, o governo do Estado autorizou o uso de pavilhões para receber parte das pessoas que perderam tudo. Era uma medida provisória, até que novas casas fossem construídas, mas até hoje nenhuma casa foi erguida.
Na colônia prisional não existe fornecimento de água ou banheiros, e o serviço de transporte coletivo é improvisado. O único modo de ir até o centro é pegar um pau-de-arara. Banhos e necessidades fisiológicas são feitas no riacho Canabrava, a cerca de 300 metros do local. A água de beber e lavar roupa vem do chafariz no distrito da Santa Fé, a menos de 1 km da colônia.
As famílias dividem de forma organizada os 15 pavilhões. As celas são separadas por tábuas, em espaços praticamente semelhantes. Cada família tem o seu local, onde não só vivem, como plantam e colhem alimentos.
A energia elétrica é o único serviço essencial prestado à comunidade, mas desde o último dia 18 o fornecimento foi suspenso, assim como ocorreu na maior parte da região, devido à destruição da subestação da cidade de União dos Palmares.
Ao chegar ao local e conversar com a primeira moradora, uma pergunta nos foi feita: “o senhor veio fazer o cadastro das famílias, foi?”. A indagação veio de Benedita Dias, 70. Ela explica: “eles vêm, pegam os dados da gente, vão embora e nunca a gente recebe casa. Já fiz muitos cadastros, todos perdidos”, disse.
Todos os moradores ouvidos pela reportagem do UOL Notícias relatam que desde 1988 recebem promessas de que vão receber casas das autoridades. Maria do Carmo da Silva, 61, mostra o último cadastro que fez, em 2008, quando recebeu até uma carteira de membro da “Associação de Sem-tetos de União dos Palmares”. “Foi o Collor de Melo que mandou a gente vir pra cá, quando ainda tava no governo [do Estado]. Desde lá, meu filho, já vi muita gente vir aqui e prometer. Mas até hoje não recebemos nada”, afirmou.
Esperança renovada com a nova tragédia
A nova enchente renovou a esperança dos moradores da colônia. Maria José da Conceição, 29, veio morar na colônia quando tinha nove anos e confessa que voltou a sonhar em ser contemplada com uma casa. “Soube que o presidente esteve aqui, e espero que a gente seja incluída nessa lista. Nunca perdi a esperança, mas agora estou mais confiante. Quero criar meus filhos em um local melhor”, disse.
Apesar de acompanhar várias enchentes nos últimos anos, todos afirmam que a cheia da semana passada foi a maior já vista na cidade. “Essa foi a cheia das cheias. Nem de perto se compara às outras. Minha irmã perdeu tudo lá na rua da Ponte e veio morar aqui comigo. Por pouco ela não morreu”, contou Maria do Carmo da Silva, 57.
Primeira moradora a chegar ao local, Quitéria Pereira dos Santos, 45, perdeu tudo com a cheia de 1988 e não teve oportunidade de morar em outro lugar. “Foi tudo destruído na minha casa e aqui estava vazio. Vim morar, mas agora estou preocupada. O teto está com rachaduras e acho que ele não dura muito tempo mais”, afirmou ela, que teve cinco filhos, todos nascidos e criados no pavilhão 15 da colônia.
Igreja ajuda famílias
Sem a ajuda governamental, a comunidade é assistida por integrantes da Igreja Católica. “Espero que não esqueçam dessas pessoas agora, e as incluam junto com as vítimas dessa enchente. Acompanho o sofrimento deles, as promessas que nunca foram cumpridas. Vejo nessa tragédia uma nova oportunidade”, disse Manoel Lopes, vice-ministro da ordem Franciscana, que ajuda a comunidade.
Lopes conta que a colônia recebia presos até alguns meses antes da tragédia de 1988, mas havia sido desocupada para passar por uma reforma. “A propaganda do governo na época era que a colônia seria um presídio modelo para a América Latina. As famílias ocuparam, nunca receberam casas e hoje a gente só ouve dizer que os presídios de Maceió e delegacias estão superlotadas. Porque não aproveitam essa área”, afirmou.
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