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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Avanço e recuo do mar mudam o contorno do litoral brasileiro

Em 2007, para os cientistas, o pior cenário era uma elevação do nível do mar de 60 centímetros, em 100 anos. Mas hoje, apenas três anos depois, essa previsão já está ultrapassada.

O mar está avançando, às vezes recuando, e mudando o mapa do Brasil. Aquele mapa que a gente desenhava na escola hoje é outro. Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio, Pernambuco, Pará. A repórter Mariana Ferrão percorreu o litoral brasileiro e mostra os estragos que essas mudanças estão provocando.
Silêncio! É preciso escutar: porque o mar tem algo a dizer!
“Eu acho que ele está querendo dizer que a gente está invadindo o espaço dele”, diz uma jovem.
O ataque das ondas está mudando até o mapa do Brasil. As bandeiras vermelhas mostradas em vídeo indicam pontos onde a nossa costa já encolheu.
Veja a foto de Atafona, no norte do Rio de Janeiro, em 1957, um bairro que ficava à beira do mar. O problema é que de lá pra cá, a beira virou o fundo do mar: 450 casas foram engolidas pela água.
“Sabe onde estão as casas comidas? Estão lá onde o sol nasce”, mostra Nelide Moreira, moradora de Atafona.
Outra foto de 1989, na Praia de Boa Viagem, no Recife. O gramado que existia entre o calçadão e a faixa de areia sumiu. E a areia também.
Maceió, Praia da Ponta Verde. Veja como era antes e como está agora.
Em Iparana, no Ceará, o mar avançou quase 300 metros em 12 anos. Veja em vídeo o tamanho da praia, no começo da década de 90. E agora, cadê a areia?
“Se avançar, não tem mais jeito não”, diz o comerciante Antonio Coelho.
Na Igreja de Sant'Anna, na Praia da Armação, em Santa Catarina, a escada que dava para a praia, em 2001, agora desemboca direto no mar.
Preste atenção numa sequência de fotos. Em apenas um ano, o mar arruinou uma casa.
Seu Átila vive o mesmo drama. “Você assiste à casa desabar na sua frente. É impressionante”, lamenta Áitla Ramos, morador da Praia da Armação.
Mas o engraçado é que, em outras regiões do país, o mar recuou e nós estamos ganhando terreno.
O Fantástico encontrou uma ilha na divisa do Paraná com São Paulo. A ilha pertence a São Paulo. Mas toda a areia que a formou veio do Paraná.
“Aquela ilha não existia quando eu nasci. A terra sempre se transforma e se movimenta. Aqui tem correnteza de água, então vai tirando o sedimento de um lugar e depositando em outro”, explica Clóvis Xavier Júnior, piloto de barco do Instituto Oceanográfico da USP.
Em Nossa Senhora do Ó, litoral de Pernambuco, a praia ganhou 16 metros de faixa de areia. O desenho da costa do Pará também está mudando. As pontas de Camaraçu e Perimirim cresceram.
“Tem a Mao do homem nesse processo todo”, diz uma mulher. “O pessoal fala do aquecimento globo”, diz um homem.
O Fantástico percorreu toda a costa brasileira, pra saber, afinal, o que está acontecendo: será o mar que está avançando? Ou somos nós que estamos avançando em direção ao mar?
Em 2007, para os cientistas, o pior cenário era uma elevação do nível do mar de 60 centímetros em 100 anos. Mas hoje, apenas três anos depois, essa previsão já está ultrapassada.
“A onda que agora não é mais de dois metros e meio, em média, está começando a se tornar de três metros, três metros e meio, quatro metros. E um vento que antes era só de 60 km/h, 50 km/h, agora são ventos de 80 km/h, 90 km/h, 100 km/h”, afirma David Zee, professor da Faculdade de Oceanografia da Uerj.
Ventos fortes geram ressacas. O Rio de Janeiro, no começo da década de 90, enfrentava em média uma ressaca por ano. Em 2010, já foram sete. Uma delas, tão violenta, que acabou criando uma onda gigante em plena Baía de Guanabara.
Ressacas violentas são um dos sintomas da febre do planeta. Outro é o derretimento das geleiras.
A água doce que estava congelada vai pro mar. E pior: com isso, perdemos parte da cobertura de gelo dos pólos, que funciona como um poderoso espelho refletindo de volta pro espaço parte do calor que vem do Sol. Resultado: os raios solares entram direto no mar, que fica quentinho. A água mais quente favorece a formação de tempestades. Que trazem mais vento, mais onda, mais ressacas. Tudo de novo.
Para piorar, cada vez mais gente tem uma casa pé na areia. Ou um apartamento com vista pro mar. De cada quatro brasileiros, um vive no litoral, segundo o IBGE. Ao todo, são 45 milhões de pessoas ameaçadas pelo avanço do mar.
“O mar está tomando conta do que era dele”, opina o mergulhador Adilson Ivo dos Santos.
O mergulhador está certo, segundo o professor de engenharia costeira da Coppe/UFRJ Paulo César Rosman: “Praias são coisas extraordinariamente dinâmicas, estão sempre sendo remanejadas, refeitas, reformadas pela ação das ondas, nunca estão paradas”.
E a gente é que tem reformado as praias? “Nós temos prejudicado esta capacidade natural que as praias têm de se adaptar e de se acomodar às mudanças. Na medida em que nós construímos estruturas e aprisionamos o estoque de areia das praias”, completa o professor.
Nós estamos engessando o litoral do país. Com calçadas, ciclovias, avenidas. E quando o mar avança não encontra mais a areia para amortecer o impacto das ondas.
É por falta de areia que a gente vê tanta destruição em Boa Viagem, no Recife, por exemplo. Seu Cláudio mora em um prédio há 32 anos:
“Antes, a gente ficava na praia, atrás da gente ainda tinha gente jogando vôlei, e hoje não”, disse o morador Cláudio Eymael.
E ele não entende porque a areia sumiu. “Não houve modificação, o que nós temos de calçada hoje, talvez um metro mais pra frente. Acho que este um metro a mais, não faz diferença”, diz Cláudio.
Faz muita diferença.
O Fantástico encontrou em Ilha Comprida, no extremo sul de São Paulo, árvores enormes arrancadas com raiz e tudo. É um cenário de destruição na praia. Na areia, pedaços de casa. Tudo foi levado pela última ressaca.
“A construção muito perto da praia faz com que haja um desequilíbrio, e a praia começa a entrar num processo de fome de areia”, alerta Célia Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico de São Paulo.
“Quando as primeiras ressacas se fazem sentir, é natural que as pessoas vão colocar pedra, jogar rocha na beira da praia, para poder proteger as edificações. Mas isso, ao longo prazo, é a pior solução possível”, avalia João Luiz Carvalho, doutor em engenharia oceânica.
Agora dá para entender porque pedras gigantes não impedem a destruição das praias.
“Já tem cinco anos e meio mais ou menos e é a primeira vez que eu vejo uma situação desse jeito”, disse José Alberto Santos, dono de um bar em Aracaju.
Sacos de areia, pneus, muros de concreto também não resolvem. Sabe o que funciona?
“Recentemente, esta praia sofreu um processo de ressaca, mas como a ocupação da praia foi feita depois da duna, esta praia consegue reagir bem. Ela se deforma inicialmente, mas logo em seguida, naturalmente, as ondas vão reconstituindo a praia e ela volta a ser normalmente como era antes”, diz o doutor em engenharia oceânica.
O Forte do Pau Amarelo, em Paulista, é um ponto emblemático pra gente perceber este movimento cíclico da natureza, do avanço e do recuo do mar. Essa é uma construção do século 18 e, como todo forte, ele estava à beira d’água. O mar recuou bastante ao longo de todos estes anos, só que a população aproveitou e construiu. Agora, o mar está voltando.
“Eu pensava o seguinte: isto aqui tem uma área muito bonita de areia, então vamos construir, porque aqui jamais vai chegar. E aconteceu de chegar”, conta o dono de bar Milton Galvão, que se prepara para a próxima ressaca.
Sem o homem por perto, a natureza muda sem alarde, como na Ilha do Cardoso, litoral de São Paulo.
Um estreito marca oficialmente a divisa entre os estados de São Paulo e do Paraná. Isto no mapa que está nos livros, já que a natureza está fazendo um outro desenho. A areia está ligando duas partes. E de um dos lados, o mar está abrindo passagem. Um pedacinho está se separando de São Paulo e se juntando ao Paraná.
“De um lado nós temos forças do mar aberto, e de outro lado nós temos forças da laguna fazendo com que no final das contas você acabe afinando a ilha”, disse a especialista.
A movimentação natural do mar também explica o que está acontecendo em Coroa Comprida, no Pará. Sobraram apenas 50 dos quase 800 metros de praia.
“É um fenômeno natural. Assim como está acontecendo a erosão, depois de um tempo a tendência é se recuperar”, afirma Niles Asp, oceanógrafo da UFPA.
Escombros são restos do que o pai de Júlia queria deixar para a família, em Atafona, litoral norte do Rio.
“Ele fez três andares com 48 suites, para funcionar o hotel, que nunca chegou a funcionar”, diz a moradora de Atafona Júlia Assis.
A construção ficou interditada por 30 anos, antes de ruir. O hotel recebe turistas. Curiosos que ficam perplexos diante da cidade que o mar engoliu.
“Como é uma planície costeira, a declividade é baixa, você não tem bloqueios naturais de rochas, nem de ilhas, voce tem tudo convidativo para a destruição mesmo” disse o chefe do Departamento de Engenharia Cartográfica da UERJ e UFF, Gilberto Pessanha Ribeiro.
“É estranho você ver um patrimônio seu virar uma atração turística. Tem gente que acha que o prédio ruiu de repente. Mas o mar não vem de repente, ele avisa”, lembra Júlia.
O mar está dando o alerta. E é preciso agir rápido.
“O conhecimento do problema é o primeiro passo, a partir do conhecimento é que a gente começa a desenvolver as medidas”, diz o professor David Zee.
Um equipamento no topo de um prédio em Boa Viagem, no Recife, mede direção, velocidade e força das ondas.
A rede de monitoramento da Marinha também está crescendo.
“Só com estas observações, cada vez mais, é que nós vamos poder ser capazes de efetivamente afirmar o que está acontecendo”, afirma Almirante Palmer, diretor de hidrografia e navegação da Marinha no Brasil.
Tecnologia não é a única solução. “Já que não é possível chegar a cidade pra trás, é chegar o mar pra frente. Você faz o que se chama engordamento da praia. Você procura as proximidades, uma uma jazida de areia com características físicas,tamanho de grãos semelhantes ao da praia. E você traz areia de fora do sistema e coloca no sistema”, diz um especialista.
Sem o engordamento, a praia mais famosa do Brasil não seria Copacabana. Na década de 50, as ressacas eram constantes, invadiam o bairro e ameaçavam acabar com a praia.
Mas nem tudo é resolvido com areia. Um prédio está a 800 metros da praia, mas sofre diretamente os efeitos do avanço do mar.
“Quando coincide a maré cheia com chuva forte, aí atinge todos os seis elevadores”, diz o síndico Adilson Ferreira Lacerda.
A água fica no poço dos elevadores, porque a maré cheia bloqueia o escoamento, neste prédio e no dos vizinhos também.
É por isto que as baixadas sofrem mais quando chove forte. Este ano, no Rio de Janeiro, a chuva já tinha passado. Mas a inundação em Vargem Grande e em Vargem Pequena custou a baixar.
“Baixada Fluminense, Baixada Santista, Itajaí, em Santa Catarina, Salvador, Recife, Aracaju e Maceió. Estes locais, que hoje já sofrem problemas de dificuldade de escoamento das águas com inundação, alagamentos em época de chuva, na medida que o nível do mar sobe, a tendência é isto se agravar, vai ficar mais difícil”, avisa o especialista.
Nas áreas urbanas, é difícil remover populações inteiras. Já nas comunidades ribeirinhas, sair quando o mar avança é uma tradição. No norte do Pará, os endereços das casas de palafita são provisórios.
“Ele se estabelece naquele local, mas aquele local pode começar a sofrer erosão e eles muitas vezes desmancham as casas, e montam as casas em outro local”, conta Niles Asp.
Por causa do avanço do mar, Ararapira, onde Nilton nasceu, virou uma ilha fantasma; 60 famílias viviam no local. Ararapira afundou em terra firme.
Na Praia dos Milagres, em Olinda, o mergulhador Adilson dos Santos vê o naufrágio de uma tentativa de ocupação.
Cidades submersas que apenas alguns brasileiros vão lembrar.
“Às vezes as pessoas perguntam que sentimento que tem, se é uma raiva, se é um respeito muito grande pelo mar”, finaliza Júlia.

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1616193-15605,00-AVANCO+E+RECUO+DO+MAR+MUDAM+O+MAPA+DO+LITORAL+DO+BRASIL.html

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