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sexta-feira, 26 de junho de 2009

LEIA - Por que o PAC não decolou?

 

Por que o PAC não decolou?

O aviltamento dos preços de obras públicas, pressionados por uma legislação e comportamento estatal fora da realidade, emperra o Programa de Aceleração do Crescimento

Maçahico Tisaka

Numa medida sem precedentes, o Governo Federal destinou cerca de R$ 503 bilhões para o PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) para ser aplicado em obras de infraestrutura nos quatro anos da gestão Lula. Mais recentemente, aumentou essa verba em mais R$ 140 bilhões, totalizando uma significativa cifra de R$ 643 bilhões. Desse montante, R$ 88 bilhões são do orçamento do Governo Federal, representando 13,68% do total e o restante de origem das empresas estatais e iniciativa privada.

Embora o governo afirme ter colocado todos os recursos à disposição, o PAC não decola, revelando um tremendo descompasso entre as verbas alocadas e os gastos efetivos. O problema parece não ser a falta de liberação de recursos, conforme reiteradas afirmações da ministra Dilma Rousseff, que coordena o programa.

Então, onde estariam as causas desses atrasos?

O próprio presidente Lula, muito judiciosamente, tem se pronunciado em inúmeras ocasiões culpando a legislação pelos atrasos, sem dizer a qual das legislações ele se refere.

Embora concorde com o presidente, esse posicionamento reflete apenas a ponta do iceberg. Os verdadeiros motivos dessa preocupante situação são muitos. Vão desde leis descoladas da realidade que engessam o processo normal de desenvolvimento, uma carga tributária e previdenciária sufocante, à falta de cumprimento da legislação por parte dos órgãos contratantes que teriam a obrigação de cumpri-la. Tudo isso leva o setor produtivo da construção civil a uma situação de grandes dificuldades e aviltamento dos seus preços reais.

Para não ficar apenas nas palavras vazias, vamos a alguns exemplos.

Os órgãos públicos são obrigados, por força de lei, a apresentarem orçamentos estimativos detalhados, muitas vezes contendo graves erros e omissões ilegais na sua composição, sem que ninguém assuma a responsabilidade pela sua elaboração, como estipula os artigos 13, 14 e 15 da lei 5.194/66, que exige a identificação dos autores. Isso permite que os orçamentos contenham omissões ilegais e possam ser dirigidos e manipulados sem que nem o órgão nem os seus autores sejam responsabilizados.

Os projetos básicos que acompanham o edital de licitação estão longe de atender o que está previsto na alínea IX do art. 6o da lei 8.666/93, seja por deficiência de concepção, seja por insuficiência de dados necessários para a elaboração de um orçamento estimativo condizente com a realidade, além de obrigar o gestor público a contratar o projeto unicamente pelo critério de menor preço, conforme determina a alínea I, § 1o do art. 45 da lei 8.666/93. Dessa forma, o gestor não pode escolher a melhor proposta que atenda o interesse público. Um mau projeto leva a obra a inúmeros problemas e dificuldades.

A lei 7.418/85 e o decreto 95.247/87, que tornaram obrigatório o fornecimento de transporte aos trabalhadores, o art. 166 da CLT, regulamentado pelo NR-6, que obriga a empresa a fornecer EPI (Equipamento de Proteção Individual) e os Acordos Coletivos de Trabalho que na maioria das regiões obrigam o fornecimento de refeições, todos esses custos que oneram a empresa são Encargos Complementares de mão-de-obra. Mas a maioria dos órgãos os omitem, considerando apenas as Leis Sociais Básicas. Essa situação pode representar uma omissão ilegal de custos em torno de 10% no orçamento final da obra.

Até mesmo as tabelas de referência do DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) e o Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil), ambos órgãos de referência de preços do governo, não consideram esses custos que as empresas são obrigadas a arcar.

Com relação aos Custos Indiretos (e não despesas indiretas), que são a Instalação do Canteiro de Obras e Alojamentos, Administração Local, Mobilização e Desmobilização, equipamentos e fundações especiais necessários para a obra, muitas vezes não são levados em consideração por confundirem esses custos com despesas indiretas. Isso é injustificável, pois atualmente a legislação contábil e previdenciária é muito clara a esse respeito.

A Instrução Normativa do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a IN-003/05, obriga as empresas, ao iniciar e contratar uma obra, a fazer o cadastramento no CEI (Cadastro Específico do INSS). O CEI é uma espécie de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) da obra. Todos os gastos devem ser lançados no Centro de Custo correspondente a essa obra na contabilidade geral, sob pena de pesadas multas para a empresa.

O dimensionamento correto das instalações do canteiro de obras, que deve obedecer à Norma Regulamentadora NR-18 da lei 6.514/77, que regula as condições e meio ambiente de trabalho nas atividades de construção civil, e os gastos mensais da Administração Local, que são custos indiretos segundo o IN-003/05, podem ser perfeitamente dimensionados e calculados. Porém, dificilmente seus custos são considerados de modo a atender a legislação e a realidade dos gastos incorridos.

Além disso, todos os Acórdãos do TCU (Tribunal de Contas da União) desde 2002, relativos a esses gastos com Instalação de Canteiro de Obras, Administração Local e Mobilização e Desmobilização, são considerados custos e não despesas, como eram antigamente, e a omissão desses gastos na planilha de custos pode representar uma redução de cerca de 10% no preço real de venda.

A questão do BDI

Já vimos que alguns gastos que tradicionalmente compunham o BDI (Benefícios e Despesas Indiretas), como Alimentação, Transportes, Canteiro de Obras, Administração Local etc., agora, por força da legislação, passaram a ser considerados custos. Esse fato fez com que muitos órgãos da administração pública, nos vários níveis de governo, baixassem drasticamente a taxa do BDI, esquecendo-se que outros parâmetros que permaneceram estavam subavaliados, como o caso das Taxas de Administração Central.

Lamentavelmente, a taxa do BDI tem sido um instrumento de injustificável manipulação política por parte da Administração, no sentido de reduzir artificialmente o valor final do orçamento; e um dos componentes menos transparentes é a taxa de Administração Central, refletindo um valor absolutamente fora da realidade, como veremos.

Atualmente, graças ao rigor da legislação contábil e tributária, é muito fácil calcular essa taxa dividindo as despesas operacionais do balanço contábil do exercício pelo faturamento da empresa, o que dá a exata dimensão da taxa da Administração Central, que deve ser no mínimo em torno de 8% a 9% para as empresas de grande porte e de 15% a 18% para as de pequeno porte.

Não será difícil para a administração escolher por amostragem algumas empresas prováveis participantes de uma determinada licitação e, de posse dos balanços contábeis das empresas cadastradas no órgão, obter facilmente uma média das taxas de Administração Central a serem utilizadas na licitação. Isso irá dar maior transparência e estará de acordo com o art. 3o da lei 8.666/93.

Essa distorção na taxa da Administração Central, dependendo dos demais parâmetros a serem considerados na composição do BDI, como as taxas de despesas financeiras e de riscos do empreendimento, e mais a controvertida retirada do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido) na composição do BDI, reduz drasticamente a taxa do BDI e pode significar um corte de mais 10% a 20% nos preços finais de venda.

Há ainda outros ingredientes que penalizam o construtor. Trata-se da lei 10.192/01, que proíbe o reajuste de preços por um ano. Ou seja, a empresa precisa arcar com os aumentos dos custos dos insumos durante um ano. Qualquer alegação que diga que esses aumentos já estão considerados nos preços é pura ilusão, pois quem determina o limite dos preços é sempre a administração, e a consideração dos aumentos futuros dos insumos é uma mera especulação.

Assim, com tantas omissões e ilegalidades praticadas pela administração, tantas leis que engessam cegamente a realidade dos preços e do mercado, as empresas que contratam obras públicas são obrigadas a buscar todas as alternativas para abrandar seus custos e despesas reais. Os que o fazem de forma honesta, não conseguem se manter em dia com os compromissos. Outros, buscam meios não convencionais que acabam atrasando ou paralisando as obras e por vezes cometem sérias irregularidades com irreparáveis prejuízos para o erário público.

O contínuo desgaste e aviltamento dos preços de obras públicas, pressionados por uma legislação e comportamento estatal fora da realidade, desestruturou a capacidade produtiva do setor. Na hora da retomada do desenvolvimento, o setor não encontra fôlego para fazer face aos desafios do PAC .

Para concluir, é necessário que o Congresso reveja urgentemente a legislação, sobretudo a Lei de Licitações, reformando artigos que engessam a liberdade de decidir pelo melhor e introduzindo critérios técnicos e matemáticos de decisão, que possam dar maior transparência, além de exigir que os órgãos da administração direta e indireta dos três níveis de governo cumpram rigorosamente a legislação em vigor.

Maçahico Tisaka, engenheiro, ex-presidente do Instituto de Engenharia, conselheiro do Crea-SP e consultor empresarial.

Matéria publicada na Revista Construção Mercado

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